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Carros elétricos se multiplicam em SP, mas periferia segue fora da 'corrida verde'

Enquanto a frota eletrificada salta em São Paulo, o acesso fica restrito a poucos, em muitos bairros, a mobilidade sustentável ainda é privilégio.  |  Foto: Reprodução/Freepik

Publicado em 21/11/2025, às 12h08   Foto: Reprodução/Freepik   Ana Alves e Fernanda Montanha

A trajetória da eletromobilidade no Estado de São Paulo cresce rapidamente. Segundo dados do Detran-SP, o número de veículos 0 km com opção de carregamento elétrico passou de 4.307 em 2019 para 59.354 até setembro de 2025, um crescimento de 1.278% em apenas seis anos.

Dentro desse universo, os carros 100% elétricos (BEV) são cada vez mais expressivos: eram 429 em 2019 e chegaram a 16.643 até setembro deste ano, um salto de mais de 3.780%.

Esse avanço coloca São Paulo à frente da mobilidade sustentável no Brasil, mas, por trás dos números, surge um outro lado mais complexo: a desigualdade no acesso à “corrida verde”.

Quem compra carros elétricos hoje

Embora os números oficiais apontem para um crescimento na frota eletrificada, esse avanço não se distribui de forma homogênea. A compra de veículos elétricos parece concentrar-se entre quem tem maior poder aquisitivo, reforçando desigualdades históricas: residir em bairros mais ricos ou em cidades com mais renda significa maior chance de aderir à mobilidade limpa.

O perfil predominante dos compradores ainda é marcado pela renda mais alta, apesar da ampliação do portfólio das montadoras. Em entrevista ao BNews São Paulo, Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil, afirma que a marca tem buscado oferecer opções para diferentes segmentos, mas reconhece que os modelos mais populares ainda atendem perfis específicos:

“A BYD consegue atender a uma gama muito ampla de consumidores, desde motoristas de aplicativo que buscam um modelo compacto, como o Dolphin Mini, até famílias de maior poder aquisitivo que optam por um SUV de luxo, como o Tan.”

Como a BYD tenta democratizar o elétrico

Além disso, Alexandre afirma que democratizar a eletrificação é um objetivo estratégico da empresa. Ele conta que atualmente produzem três modelos em Camaçari: o 100% elétrico Dolphin Mini e os híbridos King e Song Pro.

E, logo após a inauguração oficial da fábrica, em outubro, anunciaram uma redução de preços em alguns modelos para todos os consumidores e lançaram uma política de venda direta para oferecer condições especiais a públicos estratégicos, como taxistas, pessoas com deficiência, produtores rurais e microempresários.

Existe uma estratégia clara para atender diferentes perfis, desde motoristas de aplicativo até famílias com SUVs de luxo, mas o modelo mais acessível, o Dolphin Mini, com preço público sugerido de R$ 118.990, ou R$ 99.990 na modalidade PCD e R$ 98.590 para taxistas, ainda é caro para boa parte da população. Mesmo com os cortes de preço, o acesso pleno ao elétrico permanece limitado.

Interiorização desigual do carro elétrico

Além disso, a interiorização da adoção é desigual. No Estado de São Paulo, segundo relatório da ABVE, a maioria dos emplacamentos permanece nas grandes cidades ou nos polos mais ricos, enquanto regiões periféricas se beneficiam menos. Sem políticas mais fortes para democratizar esse acesso, a “corrida verde” corre o risco de consolidar um novo privilégio urbano.

Foto: Reprodução/Freepik

Onde estão os eletropostos e por quem são acessados

A infraestrutura de recarga é outro ponto crucial que revela a desigualdade da transição elétrica. No Brasil, os eletropostos públicos e semipúblicos cresceram 59% entre agosto de 2024 e setembro de 2025, segundo dados da ABVE e da Tupi Mobilidade.

No Estado de São Paulo, há cerca de 4.678 pontos de recarga, o que equivale a uma média de 20 veículos por eletroposto. Essa relação já coloca pressão sobre a infraestrutura, mas não revela a distribuição real desses pontos: muitos estão concentrados em regiões mais centrais, comerciais ou de maior renda, enquanto bairros periféricos ainda carecem de soluções adequadas.

Avanços no transporte público elétrico

A Prefeitura destaca avanços relevantes no transporte público e nos meios profissionais, como táxis. Em nota, a administração municipal afirmou: “Desde 2022 foram realizados dois sorteios de alvarás de táxi exclusivamente para carros elétricos e híbridos. O número de táxis elétricos ou híbridos cresceu 180%, passando de 745 para 2.088.”

A Prefeitura também ressalta que 196.494 veículos eletrificados ou a hidrogênio estão isentos do rodízio municipal e que a cidade possui hoje a maior frota de ônibus elétricos do Brasil: são 820 ônibus a bateria e 189 trólebus, totalizando 1.009 coletivos totalmente sustentáveis, considerado o maior avanço em mobilidade de baixa emissão no país.

Rodovias ainda sem estrutura

Nas rodovias, a situação também é crítica: há um Projeto de Lei estadual (PL 306/2025) que propõe obrigar concessionárias a instalar ao menos um ponto de recarga rápida (DC de mínimo 30 kW) em cada posto de serviço. Se aprovado, pode aliviar rotas para viagens intermunicipais, mas ainda não resolve a realidade de quem vive na periferia urbana.

Além disso, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (via EPE), menos de 20% dos carregadores no Brasil são rápidos ou ultrarrápidos, o que limita a conveniência para muitos usuários.

Especialistas defendem foco no coletivo

Especialistas concordam que a eletrificação do transporte coletivo é o caminho mais eficaz para reduzir desigualdades. Ao BNews São Paulo, Carlos Henrique, CEO da Sttart Pay, reforça:

“O maior ganho social e de saúde pública vem da eletrificação de ônibus. Cada ônibus a diesel substituído por um elétrico representa economia direta ao SUS e melhora imediata da qualidade do ar nas periferias.”

Políticas públicas e incentivos

Existem movimentos e incentivos públicos importantes, mas ainda insuficientes para garantir justiça social na mobilidade elétrica.

Mesmo assim, especialistas como Carlos Henrique, da Sttart Pay, alertam que a economia operacional dos elétricos, cerca de R$ 0,09 por km, contra R$ 0,50 a R$ 0,70 da gasolina, é justamente o que deveria beneficiar trabalhadores de alta quilometragem, mas o investimento inicial alto impede a democratização.

“É necessário criar programas de financiamento específicos para quem roda muito. O problema não é o custo por quilômetro, é o acesso”, afirma Carlos.

O verde ideal

Quando olhamos para a transição energética, o ganho ambiental dos veículos elétricos é inegável, especialmente quando analisado no ciclo de vida (ACV). Segundo Carlos Henrique, um elétrico emite aproximadamente 65% menos gases de efeito estufa do que um veículo flex semelhante ao longo de sua vida útil, graças à matriz elétrica brasileira, fortemente renovável.

Mas há também um benefício imediato de saúde pública: como observa Clemente Gauer, da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), os veículos elétricos eliminam emissões de poluentes locais, como partículas finas e ruído, nas cidades, o que alivia impactos respiratórios e cardiovasculares. Para ele, esse ganho poderia salvar vidas, especialmente nas regiões mais densas e vulneráveis.

Por outro lado, Gauer aponta que a distribuição desigual da mobilidade elétrica pode agravar desigualdades ecológicas. “O grande desafio no Brasil não é a viabilidade tecnológica, nem a econômica. O que vemos são interesses setoriais que se opõem à eletromobilidade e a falta de planejamento de longo prazo.”

Ele ainda completa falando sobre a importância desses projetos: “Projetos de 10 ou 20 anos não podem ser interrompidos a cada ciclo eleitoral. Mobilidade é serviço essencial e precisa ser entregue para toda a sociedade, não só para quem pode pagar por um carro elétrico.”

A corrida verde em São Paulo avança, mas nem todos correm na mesma pista. A questão agora é como transformar esse avanço acelerado em um progresso verdadeiramente inclusivo, que faça da mobilidade elétrica não um privilégio, mas parte de uma cidade mais justa e sustentável.

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