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Mapa da seca acende alerta em SP: como a crise de desabastecimento já afeta milhões

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Estimativa aponta ainda que a falta de abastecimento de água afeta cerca de 39 municípios da Região Metropolitana, assim como a capital.  |   BNews SP - Divulgação Foto: Reprodução/Freepik

Publicado em 05/12/2025, às 11h59 - Atualizado às 12h23   Nathália Maciel e Fernanda Montanha



A diarista Magali Maria de Oliveira, moradora do Jardim Ângela, em São Paulo, já se acostumou com a rotina de não ter água em casa. Todos os dias, ela acorda às 5h30 da manhã para aproveitar as poucas horas em que o abastecimento funciona e correr para lavar as roupas da família, limpar a casa e encher os baldes que garantem o mínimo para o restante do dia.

“Praticamente a água falta todos os dias, já chegou a ficar dois, três dias sem água também, assim que foi privatizado. É difícil, principalmente para quem tem criança. Eu tenho duas netas que moram comigo. Já cheguei a comprar até galão para tomar banho porque ficamos sem lavar roupa, sem limpar a casa, aquele monte de louça. Já teve dia de comprar marmitex”, conta Magali Maria.

São Paulo vive uma das maiores crises hídricas do país, com restrição de água em grande parte do estado. Segundo a Agência Nacional de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas), até a última atualização, divulgada no dia 28 de novembro, o Sistema Cantareira, responsável por abastecer grande parte da região metropolitana, registrou 21,27% de seu volume útil, quantidade considerada insuficiente para o abastecimento da população.

Após o comunicado, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a SP Águas informaram que o sistema vai continuar funcionando na Faixa 4 até 31 de maio de 2026.

Grande parte dos municípios está em estado de emergência

Estimativas apontam que a falta de abastecimento de água afeta cerca de 39 municípios da Região Metropolitana, incluindo a capital. Além disso, sete cidades localizadas no interior também estão passando pelo racionamento.

O Mapa da SP-Águas, que aponta os estágios de disponibilidade hídrica em todas as regiões do estado, mostra que mais de 25 localidades estão em alerta vermelho, com estágio três de situação crítica. Entre elas estão Alto Mogi, Alto Jacaré-Guaçu e Jacuari-Mirim.

Foto: Reprodução/SP-Águas

A seca em São Paulo não é um problema recente e pode continuar se agravando. Entre fevereiro e março deste ano, o estado registrou seca em todo o seu território por dois meses consecutivos, algo que aconteceu pela primeira vez.

Durante o ano, o número de áreas em seca foi crescendo. Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) indicam que, entre agosto e setembro de 2025, 100% do estado estava em condição extrema, índice que aumentou de 33% para 36%. Segundo o órgão, esta é a pior condição desde 2024.

Distribuição desigual

Apesar de o problema de abastecimento hídrico ser recorrente em várias regiões de São Paulo, especialistas afirmam que a falta de água não atinge todas as pessoas da mesma forma. Jai Pongilupi, coordenador da Casa Ecoativa, localizada na Ilha do Bororé, percebe que as comunidades vulneráveis, especialmente as da periferia, são as mais prejudicadas.

“Os efeitos da crise hídrica e da desigualdade estão ligados às mudanças climáticas e ao racismo ambiental. As comunidades periféricas, aquelas que vivem à margem, em palafitas, em barracos, são as que mais sofrerão com o agravamento dessa crise”, conta o ativista.

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Segundo o especialista, enquanto pessoas que vivem em áreas de maior poder aquisitivo têm acesso mais rápido a alternativas (como caixas d’água), as comunidades de bairros periféricos, que muitas vezes vivem em condições precárias, enfrentam uma crise ainda mais profunda.

“Essas comunidades são as que mais enfrentam o descaso, a falta de políticas públicas e a ausência de assistência. É importante lembrar que existe uma divisão clara, que tem cor, CEP e endereço. Esse processo não é aleatório, é parte de uma necropolítica”, afirma Jai.

A afirmação de Jai Pongilupi, que convive diariamente nessas comunidades, se relaciona com a realidade de Magali Maria. Em tom de interrogação, a mulher pergunta: “Eu queria saber por que só na periferia tem essa falta de água constante, sendo que nos bairros nobres não tem. Eu trabalho em Moema, Santa Cruz e Vila Mariana, e nunca falta água. Será que lá na casa do nosso governador falta água?”

Para a diarista, a pergunta ainda não tem uma resposta concreta. Contudo, seu dia a dia revela uma realidade ainda pior de desigualdade. Ela detalha que os patrões não querem saber se vai gastar muita ou pouca água; o importante é que o ambiente fique o mais limpo possível.

“A empregada precisa limpar, e aí elas jogam água, lavam a cozinha, janelas, o prédio, molham as plantas. Na periferia, pela falta de água, a gente não pode fazer isso”, conta Magali Maria.

O que diz a Sabesp

Procurada pelo BNews São Paulo, a Sabesp negou que exista qualquer diferença de continuidade ou regularidade no abastecimento entre bairros de alta e baixa renda. A companhia afirmou que opera seguindo as normas vigentes e que o tratamento dado aos sistemas é o mesmo em todas as regiões, independentemente do perfil socioeconômico da população atendida.

A empresa acrescentou que casos como o relatado pela diarista Magali Maria, no Jardim Ângela, só podem ser analisados individualmente mediante endereço completo, para que equipes técnicas verifiquem situações específicas de cada local.

O relato dos consumidores em plataformas públicas, porém, indica um cenário mais diverso. No Reclame Aqui, dezenas de registros recentes mencionam cortes sem aviso, desabastecimento prolongado e interrupções recorrentes.

Entre eles, há queixas de falta de água após uma manutenção programada em 06/10/2025 — quando moradores afirmam que o fornecimento não voltou no horário prometido, deixando famílias com crianças sem água potável — e um caso de “falta de água contínua” na Zona Norte em 07/09/2025, onde moradores relatam que todo o bairro ficou sem abastecimento e sem previsão de normalização.

Na Grande São Paulo, os relatos se repetem. Em Carapicuíba, município marcado por alta densidade populacional e maior vulnerabilidade socioeconômica, moradores relatam falta de água por mais de três dias consecutivos.

Em Osasco, há queixas de interrupções abruptas no abastecimento e descumprimento de prazos de religação, além de relatos de desabastecimento prolongado após manutenção na rua inteira.

Em nota, a Sabesp afirma que o índice de aprovação dos clientes é de 83% e que o NPS (indicador de satisfação) subiu de 44 para 48 entre 2024 e 2025. A companhia destaca ainda que prevê investir R$ 70 bilhões até 2029 para universalizar os serviços.

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